sábado, 24 de novembro de 2007

Os loucos


Após muitos “desencontros telefônicos” e com uma hora de atraso, estavam finalmente os três reunidos no local combinado e sem saber para onde ir. Essa era a dúvida maior que os afligia naquele momento: para onde ir? Não tinham muita certeza. As opções de bares e pubs eram grandes, mas nenhum deles sabia o que realmente queria praquela noite. Queriam, isso é certo, se divertir, beber um pouco e gastar as horas da sexta à noite juntos... conversando e rindo da vida sem pensar na hora de voltar pra casa que, sabia-se lá como iria ser! A única certeza que tinham àquela hora que os ponteiros já se juntavam para badalar a meia-noite era a de que seus estômagos se encontravam em sintonia clamando, num mesmo tom, por alimento, fosse da espécie que fosse. Foram para a lanchonete. Não qualquer lanchonete. “A” lanchonete. A que vendia o bacon-burguer mais gorduroso e mais gostoso das proximidades, com muito molho e uma garrafa de 290ml de coca-cola de preferência. Estavam, por fim, alimentados, com baterias recarregadas e, agora sim, dispostos a xeretar todo local que exalasse vida noturna interessante, em busca da fadada noite perfeita. Divertiram-se pelo caminho. Entre gargalhadas estrondosas, desabafos sentimentais e resumos da vida durante a semana que passou, percorreram alguns bares... analisaram tudo da porta de entrada mesmo: nada que lhes agradasse muito. Concluíram enfim que um bar velho conhecido de dois deles seria o melhor refúgio pras três peregrinas almas já cansadas de tantos passos vãos. Foram. Traçaram a rota mais curta e foram. Foram também recebidos por garçonetes conhecidas, viram o show da banda de mpb já deles conhecida, aplaudiram o repertório com músicas conhecidas de cantores consagradamente conhecidos, pediram a cerveja mais conhecida e puseram-se a conversar. Não demorou a parede toda escrita com frases imperativas chamar-lhes a atenção. Havia frases que impeliam o novo... o desafio... o enfrentar dos medos... o não temer a represália... e eles, os três, que juntos eram sempre mais: mais risonhos, mais alegres, mais bobos, mais filósofos, mais críticos, mais sinceros, mais loucos – como sempre se é na presença de grandes amigos – resolveram investir em tudo aquilo. Começaram por aceitar a sugestão da garçonete conhecida: experimentar o desconhecido. Em miúdos, trocaram de bebida! Não apenas de marca de cerveja. Não... tomaram posse do cardápio, coisa que nunca haviam feito, e escolheram a bebida doce que mais lhes agradava assim... pelo nome. Arriscaram certo. Poucos drinks tinham sido melhores que aqueles. Até ali, os minutos haviam demorado a passar, mas depois... não pelos drinks... foi mesmo pela atitude que tiveram... tudo estava melhor. Dançaram dessa vez sem medo do que os outros iram dizer. Dançaram do jeito que queriam e parecia que era com o coração leve. Tudo estava melhor. As horas correram. O bar fechou. Eles tiveram de ir. Desabrigados novamente? Não... a rua agora lhes parecia um grande quintal de vó onde se pode brincar à vontade e ser quem se quer... inventar personagens, matar dragões, ser o vilão. Tudo estava melhor.
As ruas estavam vazias – faltava pouco para o dia raiar –, mas se alguém os visse naquele estado... dançado feito crianças em cirandas de roda de duas décadas atrás, imitando pássaros, cantando velhas canções inspiradoras, pulando só pra ver quem caía primeiro, rindo descontroladamente até a barriga doer, fazendo gracinhas... se alguém os visse daquele jeito, diriam estar, sem dúvida, diante de três loucos. Quem sabe, até drogados! Não poderiam estar em seu juízo total.
Nunca saberiam eles... não era o ópio da loucura que entorpecia aquelas três criaturas: é que é assim que se sente quem consegue ser plenamente descobrindo na diversão o que é felicidade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Nudez


Despi-me dia desses, meio aos susto... meio no tranco... meio à força, mas sem resistência, dos meus relacionamentos conturbados, do meu passado empoeirado, do que me restava de decência.
Pus-me então, por vontade própria, a despir-me de todo o resto: do que não me agradava... e do que agradava também, dos meus zelos sociais, das multiplicidades comportamentais, dos sorrisos forçados, dos choros abafados.
Deixei tudo na chuva que se abateu por sobre a cidade dias atrás e durou até poucos antes deste. Deixei lá. Deixei que era pra água levar pra longe, mas sempre sobra um resquício qualquer de qualquer coisa. Não me importa. O que for de meu grado, resgato mais tarde... aos poucos... melhorando o que me convém.
Agora cá estou eu, mudando de ares e re-partindo pra vida como fazem os recém-nascidos: aos berros e nua em pêlo.