sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A muda

Lá vem de novo, com o coração cheio e pesado de temores e preocupações, querendo não querer muita coisa pro ano que vai nascer. É isso que ela quer: não querer... não esperar muito de nada nem ninguém. É que sempre que ela faz planos e deseja e idealiza e faz força pra que aconteça... bem, sempre sai torto. Torto como ela mesmo é. Não é auto-piedade, não. Os sentimentos é que não estão realmente bons nesse fim de ano. Ela se sente vazia. Vazia de tudo que lhe agrada e acalenta a alma. Culturalmente falando, ela nunca foi lá grandes coisas, mas ultimamente... ela não sabe o que aconteceu, só que se tornou este ser meio parco.. meio sem assunto. É mais uma “introspectividade” em excesso. Ela não está muito pra falar e o que anda ouvindo por aí nem sempre exige, ou mesmo merece, comentários. É a máxima de não gastar latim a toa. Soluções drásticas. Respostas curtas. Essa tem sido a sua vida. Os assuntos que agradam, só agradam a ela mesmo e ela não vai começar, a essa altura da vida, a prosear sozinha como se defendesse avidamente uma tese de mestrado. Não. Ela ainda não chegou a essa nível de solidão! Mas anda precisando de alguém. Aquele alguém que ela idealiza tanto, de preferência. A vida é boa e os amigos são legais, vai pra onde quer gasta com o que lhe convém, mas anda lhe faltando o brilho no olhar de antes. Não é dependência amorosa – ela já aprendeu a ser feliz sozinha –, é mais a falta de um estímulo maior. Aquele borogodó que toda vida deveria ter.
As coisas não estão muito bem...
Ela se lembra então de seu mundinho bom onde as coisas são apaziguadas e tudo tem ares de querer bem, suspira um sorriso de alívio e refaz o ritual de todos os dias: o banho... os cremes... a roupa leve...
Ela se lembra então, com carinho, de seu mundinho bom onde todas as coisas são apaziguadas, onde cada dia tem algo novo que lhe agrada. Ela se lembra que é lá, onde tudo tem ares de querer bem, que planta, em silêncio, seus despretensiosos sonhos na esperança de que ao menos alguns deles germinem no mundo real.
Ajeita a cama, apaga a luz e vai dormir.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Descaso



Anteontem alguns sonhos queimaram no prédio vizinho. Formaram labaredas que destruíram cômodos inteiros... chamas tão altas e ávidas que não se contiveram em invadir andares acima, apartamentos inocentes e tão pouco culpados daquela revolta dreaminiana.
Era noite e, no entreter de um programa qualquer na televisão, não importava muito de onde vinha aquele cheiro. Um cheiro doce... cheiro de incenso. Mas não importava. O que quer que fosse, não era ali. Se não havia mais ninguém em casa e não havia incenso algum ao alcance das mãos para acender, o cheiro não era ali, portanto, não importava. Só começou a achar realmente estranho quando, minutos depois, vários outros cheiros deram de iniciar e se misturar. Todos doces. Todos de incenso, e isso sabia porque disso entendia.
Mais um tempo se passou. Talvez meia hora ou mais até que um semblante feminino estampando desespero alheio e susto adentrasse ao apartamento aos berros como um vendedor de jornal do início do século XX. “Está pegando fogo!! Está pegando fogo!! O prédio lá embaixo está pegando fogo!! Você não viu!?”.
“Ver o quê, mulher? Não é o meu... deixe que queime.”. Só pensou. Achou melhor não falar. Pensou também que aquele pensamento tinha sido por demais insensível. Pensou então em que tipo de pessoa estava se tornado. Lembrou da semana anterior quando já no final da festa de aniversário de um amigo, considerou ter bebido demais pra deixar tudo aquilo acontecer na frente de tantas pessoas: a maioria dos convidados já tinha ido embora e às 2h da manhã, na sala, só estavam mesmo os amigos mais íntimos; com o corpo estirado num sofá, de repente se deparou com um corpo masculino se aninhando ao seu lado e, com maior espanto ainda, detectou a cabeça do mesmo entra suas pernas, um rosto quente lhe causando sensações intensificadas pelo teor alcoólico elevado no sangue, mãos que lhe seguravam com força os quadris e uma boca úmida que lhe beijava a parte interna da coxa esquerda com beijos que seguiam a rota certa de seus caminhos mais íntimos. Lembrou que por ter bebido demais, não se importou. Não com as carícias mais que ousadas – até em sobriedade completa não se importaria que elas continuassem pra sempre –, mas com tudo aquilo acontecendo na frente de tantas pessoas e, a maioria, completos desconhecidos. Não se importou na hora porque tinha bebido e estava gostando. Mas também não se importou de beber além da conta.
Que tipo de pessoa estava a se tornar que não se importava mais com nada? Isso não lhe agradava... não queria ser assim. Num esforço tremendo contra tal sentimento vil, levantou o corpo da cama e espiou pela janela. Viu uma fumaça pouca e preta saindo das janelas do prédio, mas como se estivessem esperando apenas seu olhar para realmente “acontecer”, num súbito fizeram-se imensas e altas, carregando junto o fogo que agora debruçava-se nas sacadas. Ouviu sirenes. Não havia mais cheiro de incensos. Tudo ficaria bem porque os bombeiros estavam chegando. A mulher falou das “conquistas de uma vida consumidas pelo fogo” com um pesar na voz, mas com curiosidade demais no olhar. Também não gostava disso: esse interesse em excesso pela vida do outro lhe desagrava. Onde estaria enfim o equilíbrio da preocupação? O meio-termo entre o se importar de menos e o se importar de mais? Talvez fosse, na verdade, o foco: com quem ou o quê se importar mais ou menos. É. É complicado. Complexo, diria.
Veio-lhe então novamente a cena do aniversário da semana anterior. Lembrou que segurou com força os cabelos do rapaz pela nuca quando sentiu o primeiro toque úmido em sua perna e ele gemeu baixinho. Sabia que ele não suportava que fizessem isso. Soltou. Ele lhe olhou nos olhos, deu um sorriso sacana e retomou a tarefa indecente. “Até onde você pretende ir com isso?”, perguntou de olhos fechados e com medo da resposta. Ele lhe beijou a carne com mais ardor no limite do possível. Os desconhecidos já não faziam questão de disfarçar os comentários maliciosos. Faziam piada até. E disso, deu-lhe o estalo de que era o bastante. Tudo ali já tinha passado dos limites. Agora se importava. Em verdade, só estava com raiva. Com raiva de si. Que raios de pessoa era que se rebaixava àquele nível? Nunca suportou ser “atração de circo” e era o que estava deixando que fizessem. Estava com raiva. “Já chega!”. Exclamou com certeza da decisão enquanto se levantava para ir embora. E foi. Com a escolta de três amigos, inclusive o rapaz, chegou em casa em paz, ou quase.
Sorriu. Concluiu que já não se importava em estar nos braços dele, com todas aquelas obscenidades traduzidas em atos promíscuos, sem que houvesse amor. O amor um dia importou. Quantas vezes não molhou travesseiros por ter a certeza do amor não correspondido? Ele nunca lhe amou. E isso não importava mais. Sorriu por ter superado. Porque também chorou quando aceitou que não havia possibilidade de amor entre os dois e que eram diferentes demais pra que isso acontecesse sem muito esforço de ambas as partes. E agora era simplesmente uma questão de honra ter aquele garoto. Toda a vez que ele pendia em seus braços, fazia de tudo para atiçá-lo que era pra ele sempre querer mais. Isso já lhe satisfazia o ego. Mas não se importava com os sentimentos que ele pudesse vir a ter. Ele também poderia sofrer um pouco se, por acaso, viesse a se apaixonar. Pouco lhe importava. Mereceria, caso acontecesse.
Mas e as pessoas do prédio vizinho? Elas mereceram? Vai saber. Não que não importasse, só estava fora de sua jurisdição. Então, preferiu não pensar sobre isso. Pensou no cheiro que sentiu antes de descobrir o incêndio tão próximo. Seria aquele o cheiro que os sonhos exalam enquanto queimam pra se desfazer? Não soube dizer.
Dormiu pensando nisso.
E acordou se importando em ser uma pessoa melhor.
Antes que não importe mais...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Modernidade


E então ela chorou.
Chorou pra dentro porque nunca soubera chorar pra fora. Um choro breve.
No canto do olho direito, uma lágrima escorreu parca.
No canto do olho direito, escorreu uma lágrima que já nascera seca.
“Eles são sempre frios no dia seguinte...”
Lembrou-se então do porquê de um dia ter escolhido as mulheres: elas são mais sensíveis, mais gentis, elas se importam com os sentimentos do outro porque entendem esses sentimentos... porque são sentimentos e necessidades que elas mesmas têm. O outro é outra, outra mulher, uma ser igual e, portanto, mais fácil de ser compreendido.
Mas do que adiantava pensar nisso naquela hora... importava apenas que as doces palavras que a despertaram no raiar do sábado anterior não mais existiam. Pelo menos, não eram sentidas por ela nas mensagens instantâneas que recebia através de seu veículo de comunicação em tempo real – a internet. Não havia doçura naquelas frases; só respostas vagas.
Homem nenhum a havia levado a sério até aqueles dias e, parecia, continuava sendo assim. Ao menos essa era a verdade que ela compreendia e, realmente, não existia muitas provas do contrário. Já haviam lhe dito que não se encaixava no perfil de “garotas pra namorar”, mas ela ainda tinha esperanças. Mas agora... ela estava bem sozinha quando vieram lhe dizer tudo aquilo ao pé do ouvido, então ela pensou que pudesse enfim construir uma história diferente, do jeito que sempre quis. Porque, por mais que a maioria não enxergasse, ela era sim romântica, e gostava de tudo à moda antiga – com visitas freqüentes, declarações melosas e pedidos oficiais. Ela só queria que desse certo uma vezinha só. Ela só queria poder dizer que o coração de alguém batia mais forte por ela e que isso era sincero e correspondido à altura. Mas ela sempre está com os caras errados... e os meios que deveriam ajudá-la, só a fazem conhecer o tamanho do engano. Nunca é o que ela quer...
Seria um karma? Vai saber...
Ela só sabe que é mais um nó no peito que só faz pesar a alma...
Ela não serve pra esses tempos. Suas roupas, seus pensamentos, suas vontades, suas músicas... nada se encaixa aos dias de hoje, a essa era veloz.
Eles querem tudo pra agora e ela... ela só quer alguém que não a faça sofrer.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Os egoístas



Ninguém há de dizer que ela não arrasou naquela formatura que nem dela era, mas que soube levar em cima do salto – nem tão alto, porém tão incomum aos seus pés – o tempo todo. Dançou tudo o que quis o quanto pôde, com quem lhe deu na telha. Roubou pares. Não respeitou mesmo o flerte da formanda, grande amiga, e assaltou-lhe o alvo para as danças mais animadas com passos ensaiados. Até porque, podia: o alvo em questão era velho conhecido de todos na mesa, já sabia a muito o caminho da boca, corpo e alma da formanda e era um velho amigo ginasial. Ela podia e o fez. Fora o show a parte com seu parceiro oficial de danças e baladas.
É... ela arrasou. Talvez ninguém se lembre disso na próxima semana, mas não importa, ela vai lembrar... por tudo que a noite significou.
O baile acabou e ainda era cedo pra voltar pra casa. Os quatro – a formanda, o flerte, ela e o oficial para danças e baladas – concluíram que às 3:30h da manhã a sinuca não seria uma má opção e lá foram. Sorte dela que esbarrou com um antigo afeto daqueles que tem jeito, toque, boca e tudo mais que deixa lembranças saudosas e dele, das poucas palavras trocadas, ouviu o convite que a despertou. Encontra-lo mais tarde para uma conversa sem compromisso seria bom... era bom conversar com ele mesmo quando não acontecia nada. “Eu te levo em casa”. Isso era melhor ainda porque então ela sabia que alguma coisa ira acontecer. Estava acesa.
O bar da sinuca fechou e ainda era cedo para voltar pra casa. Estavam com fome e os quatro concluíram que as 4:30h da manhã a lanchonete que vendia esfirras à centavos não seria mesmo uma má opção e lá foram. Comeram o quanto puderam... se divertiram. Eram os únicos na lanchonete e como fossem donos do lugar, aos berros, se divertiram.
O relógio já marcava 5h da manhã, a lanchonete também já havia fechado e àquela hora o vento transpassava-lhes a pele potencializando frio e sono por debaixo dos vestidos decotados das moças e das blusas finas dos rapazes. Não pra ela. Estava acesa.
Pra ela ainda era cedo e a noite não terminaria sem que antes ela conseguisse ver aquele garoto. Foi no ímpeto. Conseguiu ainda arrastar junto um dos amigos. Foi na ânsia.
O cenário era o segundo andar de uma escola música: um local reservado para as reuniões de amigos do dono do lugar; era basicamente um sobrado antigo, com banheiros antigos, com sofás antigos e rockeiros de meia idade falando besteira numa mesa no quintal dos fundos acompanhados de nocivas misturas alcoólicas. E lá estava ela e o amigo, interagindo com aqueles elementos alcoolizados, ela ao lado do garoto, ele no seu despojamento habitual, ela acesa. Não passou dez minutos. Ele saiu. Ela ficou. Ficou lá na mesa no fundo do quintal... tentando interagir. Por acaso, olhou pro lado: ele estava lá, na porta, a chamando discretamente. Ela foi. Riu por dentro quando descobriu que o garoto achou que ela e o amigo fossem um casal. “Tudo bem! Todo mundo acha!...”. Ela riu. “Tenho pensado muito em você... senti saudades.”. Ele a puxou pra perto do corpo, umbigo colado, respiração ofegante. Ela mordeu os lábios. Não iria, não queria resistir. “Saudades do quê exatamente!?”. Ele se expressou sério. “De tudo.”. Mas também não resistiu aos apelos sensoriais. “Ainda mais depois desses últimos sonhos!.. Eu tenho sonhado muito com você!”.
Tudo isso num corredor aberto. Não iria dar certo. Certo era só que eles não queriam ser incomodados, não naquele momento. Ele, conhecedor do ambiente, escolheu o lugar: a sala ao lado. Pensou melhor: o banheiro ao lado.
Ninguém se deu ao trabalho de ascender a luz. Os raios da manhã quase iluminavam o lugar e era possível ver a decoração antiga: era um banheiro grande, grande e rosa, todo rosa, com pia, vaso, banheira e paredes rosa, com espelho decorado na borda. Um ambiente engraçado pra um momento tão “tenso”!...
Ele a encostou na parede. Daquele jeito que só ele sabia fazer... prendendo-lhe as mãos acima da cabeça numa imobilidade interessantemente excitante. Os carinhos tão íntimos, os beijos tão fortes... era difícil dizer se os dois haviam encontrado isso, nessa sintonia, em outros seres. Ele sentou, encostado à parede, e a puxou para seu colo. Pronto. Estavam acoplados de uma tal maneira que o que ele pedisse, ela faria. “Eu fui um idiota de não ter ficado com você a mais tempo. Naquela época eu estava com uns problemas e acabei deixando passar... eu fui um idiota! Olha isso! Olha pra você! Como foi que eu pude!?”. Ela analisou. “Humm.. bem...” Achou melhor não concordar e dizer que ele tinha sido mesmo um canalha de ter sumido daquele jeito. Estava tão bom estar ali com ele que não valia a pena estragar tudo. “Eu estou aqui agora, não estou!? Esquece isso!..”. “Achei que você nem viria...”. Ela segurou-lhe o rosto, olhou nos olhos, era sério. “Hey! Eu também senti a sua falta... e estou aqui, não!? Pois então...”. E entre desculpas por toda a babaquice do passado, ele exaltou seu corpo, sua beleza, seu sorriso – coisas que ela negava ter – e disse que queria que fosse, a partir dali, diferente. “Se você quiser me ver mais vezes... eu vou achar muito bom!”. Então deixaram tudo bem às claras: ela falou dos medos – de sofrer mais, de não conhecê-lo bem –, ele pediu-lhe paciência e falou em se esforçar pra que tudo fluísse fácil. Foi um bom acordo enfim. Selado com beijos fortes e sorrisos sinceros. Os beijos deles são fortes; mas também carinhos. O sol já havia raiado.
O relógio já marcava 6:30 da manhã. Os dois concluíram que melhor mesmo era sair dali; do contrário, não sairiam tão cedo. Despediram-se enfim. Voltaram ao quintal dos fundos com sorrisos imensos na cara. Ele na frente. Ela, minutos depois para resgatar o amigo sonolento. Despediu-se de todos, deu-lhe um beijo, disse tchau, foi. Encontraram-se no dia seguinte só porque ele a pediu pra ir ao show em que ia tocar. Não teve beijo nem afago. Ele também estava trabalhando no evento. Mas não teve nem um beijo, nem um afago.
No dia anterior, ninguém pensou no amigo sonolento à mercê dos rockeiros bêbados que só falavam besteiras – na verdade, ela até pensou, mas quem disse que tomou alguma atitude para salvá-lo?. No dia seguinte, o dia do show, ele não lhe demonstrou nada além da velha amizade e ela não teve a coragem de pedir-lhe mais que isso.
São, portanto, dois egoístas mimados.
Querem tudo pra si sem que precisem pedir: atenção, holofotes, carinhos, compreensão.
São dois egoístas sim.
Querem suas vontades satisfeitas acima de tudo, sem pensar nos outros.
Querem inclusive guardar só para si os sentimentos que deveriam demonstrar.

sábado, 24 de novembro de 2007

Os loucos


Após muitos “desencontros telefônicos” e com uma hora de atraso, estavam finalmente os três reunidos no local combinado e sem saber para onde ir. Essa era a dúvida maior que os afligia naquele momento: para onde ir? Não tinham muita certeza. As opções de bares e pubs eram grandes, mas nenhum deles sabia o que realmente queria praquela noite. Queriam, isso é certo, se divertir, beber um pouco e gastar as horas da sexta à noite juntos... conversando e rindo da vida sem pensar na hora de voltar pra casa que, sabia-se lá como iria ser! A única certeza que tinham àquela hora que os ponteiros já se juntavam para badalar a meia-noite era a de que seus estômagos se encontravam em sintonia clamando, num mesmo tom, por alimento, fosse da espécie que fosse. Foram para a lanchonete. Não qualquer lanchonete. “A” lanchonete. A que vendia o bacon-burguer mais gorduroso e mais gostoso das proximidades, com muito molho e uma garrafa de 290ml de coca-cola de preferência. Estavam, por fim, alimentados, com baterias recarregadas e, agora sim, dispostos a xeretar todo local que exalasse vida noturna interessante, em busca da fadada noite perfeita. Divertiram-se pelo caminho. Entre gargalhadas estrondosas, desabafos sentimentais e resumos da vida durante a semana que passou, percorreram alguns bares... analisaram tudo da porta de entrada mesmo: nada que lhes agradasse muito. Concluíram enfim que um bar velho conhecido de dois deles seria o melhor refúgio pras três peregrinas almas já cansadas de tantos passos vãos. Foram. Traçaram a rota mais curta e foram. Foram também recebidos por garçonetes conhecidas, viram o show da banda de mpb já deles conhecida, aplaudiram o repertório com músicas conhecidas de cantores consagradamente conhecidos, pediram a cerveja mais conhecida e puseram-se a conversar. Não demorou a parede toda escrita com frases imperativas chamar-lhes a atenção. Havia frases que impeliam o novo... o desafio... o enfrentar dos medos... o não temer a represália... e eles, os três, que juntos eram sempre mais: mais risonhos, mais alegres, mais bobos, mais filósofos, mais críticos, mais sinceros, mais loucos – como sempre se é na presença de grandes amigos – resolveram investir em tudo aquilo. Começaram por aceitar a sugestão da garçonete conhecida: experimentar o desconhecido. Em miúdos, trocaram de bebida! Não apenas de marca de cerveja. Não... tomaram posse do cardápio, coisa que nunca haviam feito, e escolheram a bebida doce que mais lhes agradava assim... pelo nome. Arriscaram certo. Poucos drinks tinham sido melhores que aqueles. Até ali, os minutos haviam demorado a passar, mas depois... não pelos drinks... foi mesmo pela atitude que tiveram... tudo estava melhor. Dançaram dessa vez sem medo do que os outros iram dizer. Dançaram do jeito que queriam e parecia que era com o coração leve. Tudo estava melhor. As horas correram. O bar fechou. Eles tiveram de ir. Desabrigados novamente? Não... a rua agora lhes parecia um grande quintal de vó onde se pode brincar à vontade e ser quem se quer... inventar personagens, matar dragões, ser o vilão. Tudo estava melhor.
As ruas estavam vazias – faltava pouco para o dia raiar –, mas se alguém os visse naquele estado... dançado feito crianças em cirandas de roda de duas décadas atrás, imitando pássaros, cantando velhas canções inspiradoras, pulando só pra ver quem caía primeiro, rindo descontroladamente até a barriga doer, fazendo gracinhas... se alguém os visse daquele jeito, diriam estar, sem dúvida, diante de três loucos. Quem sabe, até drogados! Não poderiam estar em seu juízo total.
Nunca saberiam eles... não era o ópio da loucura que entorpecia aquelas três criaturas: é que é assim que se sente quem consegue ser plenamente descobrindo na diversão o que é felicidade.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Nudez


Despi-me dia desses, meio aos susto... meio no tranco... meio à força, mas sem resistência, dos meus relacionamentos conturbados, do meu passado empoeirado, do que me restava de decência.
Pus-me então, por vontade própria, a despir-me de todo o resto: do que não me agradava... e do que agradava também, dos meus zelos sociais, das multiplicidades comportamentais, dos sorrisos forçados, dos choros abafados.
Deixei tudo na chuva que se abateu por sobre a cidade dias atrás e durou até poucos antes deste. Deixei lá. Deixei que era pra água levar pra longe, mas sempre sobra um resquício qualquer de qualquer coisa. Não me importa. O que for de meu grado, resgato mais tarde... aos poucos... melhorando o que me convém.
Agora cá estou eu, mudando de ares e re-partindo pra vida como fazem os recém-nascidos: aos berros e nua em pêlo.