sábado, 6 de dezembro de 2008

Rádio

Te encontro nas ruas até de olhos fechados
Sinto a tua presença e a lembrança que eu tenho de você
Me faz querer te abraçar
Querer te encontrar
(...)

E se eu puder fazer por ti o que ninguém jamais fez por mim
Eu faço
[Detonautas - Verdades do Mundo]

Se, de uma música de massa - assim, aparentemente sem graça - , eu capturo uma frase de impacto que me faz lembrar você... é o que torna o dia melhor.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Rebanho


Já reparou que se você estiver apenas ouvindo a tv num volume um pouco mais baixo, esses canais religiosos e o canal do boi parecem tudo a mesma coisa!?

Ah... eu me permito


Quer saber,
a tua hipocrisia me cansou faz tempo
e o teu apego à moral e bons costumes
não é meu.

A minha moral é "i", é "a".
Os meus costumes são outros.
Os meus dedos, meus medos,
minha língua, minha alma e minha vagina
isso sim
é tudo meu...

Gostando você ou não,
os entrego e os enfio
onde eu bem entender.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Motor

Voltava de uma conversa com estranhos. Um encontro que acabou se tornando uma reunião de negócios. Ficou feliz com a possibilidade de participar de um projeto de cunho filosófico. A idéia era boa, as pessoas eram legais e não que todos fossem completos desconhecidos na mesa, mas era que se viu falando sério, como pouco fazia. Então, era diferente.
No ônibus de volta pra casa, livreto na mão, saia molhada do banho que levara de um motorista sem escrúpulos que não se ateve nem por um instante nas poças que se faziam após a chuva e no ponto de ônibus lotado, tentava não se perder nas palavras para não passar do ponto de casa porque sempre lembra da vez que se esqueceu na leitura de um conto qualquer e passou direto do ponto da escola em pleno final de ensino médio. Três anos estudando no mesmo lugar, o ônibus cheio de calouros, e me pagava um mico desses!? Riu de si mesma pela lembrança. Mas o apanhado de pequenas histórias e poemas de pseudo-escritores iniciantes era realmente bom. O formato, a formatação, os títulos, tudo despertava a curiosidade de quem olhava de longe. Teve até a impressão de que o homem grande ao seu lado no banco fazia certo esforço para lhe acompanhar na leitura. Não se ateve a isso. O folheto interessava mais. E mais ainda participar. Um dia também estar ali, impressa, com um outro alguém achando interessante tudo que um dia escreveu sem grandes pretensões.
O ônibus parou. Chovia novamente. Chuva fina, mas incômoda. Olhou pela janela. De lá de fora alguém fixou os olhos nos seus e acompanhou a partida do ônibus assim, olho no olho, como quem olha e se perde no mar. Do resto, não sabe. Se foi pelo cabelo incomum que agora ostenta, se foi mesmo pelos olhos ou só impor respeito – encarar quem te encara, como dizem – não sabe. Sabe que fez lembrar de tempos atrás quando caçava, num embate repentino de olhares, um alguém pra vida inteira. Do mesmo jeito que acontecia nos filmes. Queria um amor de cinema, de novela, qualquer coisa parecida, mas queria que tocasse sininhos e tivesse toda aquela magia computadorizada que via na tv. Pensou nisso tudo tão rápido... e sorriu.
“Quem diria!?...” Tem a ligeira impressão de que sempre terá esse comentário a fazer quando pensar nessa busca desenfreada por um bater mais forte do coração, por uma saudade que faz cometer pequenas infrações de conduta e por um abraço que arranca suspiros extasiados. Tem a ligeira impressão de que sempre haverá o sorriso pela ironia dos astros de colocar bem ao lado tudo que sempre considerou utopia pra si. Felicidade partilhada, os sininhos da tv, a vontade de ser pra sempre... tudo parecia ser pros outros e só. E, na verdade, estava bem ao lado... tão perto...
Pensou nisso tudo muito rápido.
Ironia do destino mesmo: não tivesse chovido, voltaria pra casa à pé e já que não sabe ler andando, não estaria pensando nisso tudo.
De fora do ônibus, quem olhou, deve ter mesmo achado incomum a expressão que agora ostentava. O sorriso constante era culpa dos últimos meses e especialmente de alguém que só a lembrança deixava tudo mais leve e bom.
Antes de se virar para a janela do ônibus, se perdia em literaturas de desconhecidos, projetos de vida e negócios futuros que queria muito compartilhar com uma mulher linda e um gato bicolor.
É que as idéias eram todas boas e tudo lhe parecia possível. Até mesmo ser feliz.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

É só saudade...

Será que a sorte virá num realejo?
Trazendo o pão da manhã
A faca e o queijo
Ou talvez... um beijo teu
Que me empreste a alegria... que me faça juntar
Todo resto do dia... meu café, meu jantar
Meu mundo inteiro...que é tão fácil de enxergar...
E chegar

(...)

Será que a noite vira num vilarejo
Vejo a ponte que levara o que desejo
Admiro o que há de lindo e o que há de ser... você
Enquanto for... um berço meu
Enquanto for... um terço meu
Serás vida... bem vinda
Serás viva... bem viva
Em mim

[O Teatro Mágico - Realejo]

sábado, 15 de novembro de 2008

Hoje se perguntou qual a sua cor preferida....
e por um segundo foi difícil.
Então refletiu mais um pouco e concluiu que não poderia ser tão complicado assim...
achou o erro.
Existem matizes infinitas que vão desde as cores primárias aos sentimentos mais raros...

A minha cor preferida tem o nome dela.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

2 em 1

Não tem muito o quê escrever em épocas assim – épocas de bem estar. É difícil porque fosse o contrário, não gosta de espalhar as mazelas por aí, deixá-las pra todo lado, expô-las em vitrine com se clamasse piedade, e por isso escreve: pra desabafar. Nada de chamar atenção ou implorar carinho, não... é só pra se livrar do que não consegue dizer a mais ninguém.
Perdeu o ônibus. Passagem comprada, tudo no lugar e ainda assim perdeu o ônibus. Chegaria tarde. Mas tudo bem, o importante é que chegaria. E chegou. E foi toda aquela comoção quando, a quatro paredes, pôde finalmente demonstrar quanta saudade havia sentido... quanto desejo estava contido.
É que felicidade sabe demonstrar bem: estampa na cara; na cara de boba. E gosta que saibam. E se todos sabem, não há mais o que dizer... pelo menos não a qualquer um! O sorriso largo só não conta o que considera serem histórias privadas – narrativas que quer guardar em êxtase só pra si.
E a olha nos olhos e não tem coragem de dizer. Verdade: é tímida. Uma tímida que nem é tanto nos pudores da pele, no rosto livre de tantos retoques, nas filosofias de vida. Não com ela, mas que ainda trava na fala. E pensa assim: ah, menina... eu quero é me perder nos teus apelos, nos teus pêlos, nessa tua grandeza de espírito e nunca mais me encontrar... deixa então eu entender como você pensa e o que te faz flutuar. Ah... menina! Aqui dentro, quando sinto teu nome, quando respiro teu rosto... é tudo tão maior que eu!...
Ah... menina!...
Ela tem medo de errar a qualquer momento... em qualquer coisa. De cometer o erro ancestral de demonstrar toda a felicidade aos outros, menos à quem é de direito. Se policia. Só ainda não sabe bem como fazer porque esse estado de graça contínuo ainda é novo pra ela.
Ela.
A menina.
Ela e a menina.
E quem é ela pra dizer menina uma mulher tão linda?
Ela é só uma menina...
Ela bem que chorou na despedida!
É que não há muito o mais que dizer.
Esses textos enormes... já não há.
Ela bem que chorou na partida...
Até porque “Eu te amo” é frase tão curta, não é mesmo...
E ainda assim é a síntese.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

"A camiseta surgiu por acaso e pela necessidade. É tão simples, objetiva e útil quanto recorrer a um camelo no deserto"
[ Barros. Fernando de. O homem casual - A roupa do novo século. Editora Mandarim. 1998]

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Das inúmeras resposta que escrevi
E apaguei
Todas me pareceram ofensas.

Vou deixar então o meu sorriso sincero
Aquele... meio encabulado
E acho sim que você vai entender.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

"Bares ficam menos interessantes quando você não bebe:
Você fica mais mal-humorado, nota coisas que não devia. Vê a baratinha no canto, o cheiro do banheiro fica mais forte... E conversa num bar é um moto-contínuo do nada. Se você não bebe, acha chato."
[Moacyr Luz]

domingo, 12 de outubro de 2008

"E eu quero é que esse canto torto,
Feito faca, corte a carne de vocês."
(Belchior - À Palo Seco)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Fadiga

A conversa vagava pejoativamente no sobre o estilo de vida que as garotas vinham levando. Quem tinha a posse da palavra metia o dedo na ferida mais dolorida da ouvinte – beleza sempre lhe foi um problema: se antes não a sabia, agora a usufruía consciente e à exaustão. Do outro lado, a morena de longos cabelos sedosos retrucava certeiramente e impunha-lhe a responsabilidade de tanta mudança. “Foi você que criou esse monstro... agora não adianta reclamar!”. Não havia tréplica. Foram três anos de ensino médio insistindo na auto-confiança da menina, tendo esperança de que ela um dia enxergasse o quão bonita era, cansando-a com discursos pseudo-feministas e falando de valorização do ego. O que mais poderia dizer então? “Que puritanismo é esse? Você não era assim quanto te conheci. Você era a garota que não se importava com o que iam dizer... de quem os garotos tinham medo de falar muita coisa... ”. Da resposta à tamanha acusação, só ouvia que a idade havia chegado, que não tinha mais ânimo pra essas estripulias do coração. “Você passou a ter medo, isso sim!”. Era verdade. E não importa a seqüência de argumentos que sucederam a frase, esse era o fato maior. Ela disse a tanta gente que deveriam arriscar e dançar na ponta do precipício, que deveriam ter coragem, que o princípio de ser é acreditar que se é... e ela mesma... como uma avó de filmes americanos anos 60, sentada numa cadeira de balanço contou histórias antigas, todas com uma moral relevante pra vida – ao menos, era o que pensava –, viu todos partirem e ficou, ficou na cadeira de balanço e lembrar das mesmas histórias antigas. Assim fica parecendo que só o passado distante valeu...
Ela disse a tanta gente que deveriam arriscar e dançar na ponta do precipício, e ela mesma pouco o fez depois de alguns tombos emocionais. E mesmo quando o fez, se recusou a levar adiante. Havia sempre uma desconfiança que a parava, a fazia refletir que poderia ser igual as vezes ruins e se fosse assim, era melhor parar no começo. Verdade também que não queria mais fazer o serviço sujo sozinha. Mais um pouco e seria ela também a levar o café da manhã na cama, era só o que faltava! O galanteio, a aproximação... conclusão óbvia: se tudo partia dela era porque não havia interesse antes do esforço árduo em se fazer notar. E pra quê tanto esforço se quando finalmente o holofote ascendia acima de sua cabeça, tudo que viam era um corpo pronto para acrobacias sexuais? Entristeceu. No momento e sempre depois quando em toda vez que se dispunha a estar com alguém e o pensamento descriptava-se. Era chato quando isso acontecia... e acontecia sempre. Então ela estava lá tentando provar que dois corpos poderiam sim ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo, super entretida e, de repente, tudo que queria era sair dali... provar que o homem poderia ser sim mais ágil que a velocidade da luz e chegar ao banheiro de casa o mais rápido que pudesse, rezando pra que bucha vegetal, pasta de dentes e dedo na garganta resolvessem aquela angústia. “É só mais um... mais um que não vale a pena...”. E pensar assim nunca adiantou grandes coisas.
E era mais um. Aliás, mais uma. E isso não tem nada a ver com valer com valer à pena. Era só mais uma noite pra comemorar a sexta-feira, pra comemorar os amigos, pra dançar. Não havia pensamentos lascivos. Não havia intenção – não que ela saiba. Foi que beber demais gera carência e prováveis constrangimentos no dia seguinte. Foi que sóbria como estava, podia ter dito não. Foi que não quis pensar sobre isso e deixou aquela música mixada invadir a alma.
Só tem a ver com a pergunta que não pára de ecoar, incessante, na mente. “Por que é que você faz isso!?”. Porque chega uma hora que a gente cansa de procurar pepitas de ouro e só encontrar pedras pintas. E é só hoje que consegue pensar nisso porque na hora não houve resposta. Pode não solucionar exatamente à questão nem ser a resposta definitiva, mas já é mais que o silêncio. Quem questionou, foi além: “Mas será possível que eu vou ser a única amiga que você nunca pegou!?” A risada segue descontraindo o ambiente... “E nem adianta me jogar charme, hein!”. Estava ali, mais que uma amiga... uma irmã confidente. “É... eu acho que sim!...”

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Terminal


Hoje é um daqueles dias que queria desaparecer pra sempre, da forma mais dolorida e cruel. Por quê? Porque assim faria sentido... porque sentiria... não. Na verdade, não sentiria. É que o que dói por dentro é tão forte que suplantaria qualquer outra dor. Talvez só quisesse saber como é gritar... sentir e expor. Quem tem dor, faz expressão de dor. Quem tem dor, sofre. E alguém sempre vê.
Ninguém vê. Ninguém sabe. Suas tempestades em xícara média 200ml talvez lhe pareçam um oceano porque é menor que isso. Ínfimo. Assim como as mazelas. Todos diriam que sim. Mas não é uma dificuldade escolar, não é um comentário infeliz; não é o não-reconhecimento nem a constatação da corriqueiriedade do ser. É tudo isso junto, o que vem de si e o que vem dos outros, batidos com vinagre, sal e limão, supurando em velhas feridas e injetados diretamente na veia no silêncio de cada piscar de olhos cansados do mesmo veneno.
Começa sempre assim: o propósito e sempre nobre, mas algo se perde. Nos filmes, é quem ninguém espera à linha do trem; é quem pega o ônibus pra um lugar distante, dorme, passa do ponto de destino e não importa se a sua história não tiver final.
Depois de um tempo, de tanto o hábito, esperar horas por uma condução, morrer projetos em pensamento ou corroer a alma em lágrimas num canto do quarto... é tudo a mesma coisa.

sábado, 30 de agosto de 2008

Vão

Nessa ciranda solitária
Ecoante - tímida e trêmula
Por parcos jardins
Na flor às mãos
Nas pétalas que me restam
Bem-me-quer
É espera de mãe com filho na guerra.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Vê se pode

Sabe o que não me agrada?
Político que pede a minha amizade..
"Conto com seu voto e com a sua amizade nesta eleição!"
...
Porr...
Nunca bebeu comigo...
Nunca me trouxe em casa...
Nunca garimpou bandas bizarras nas minhas playlists...
e vem assim... pedindo essas coisas estapafúrdias!

Vai me pagar um cafezinho dia desses? Num vai!
A não ser que receba alguma coisa em troca! Tipo... meu voto!
A minha amizade que se phoda!...


mah que falta de decoro, rapaz!...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Solúvel

"... porque quando a gente cresce e lembra da infância, não lembra de tudo com clareza, sabe... lembra só dos momentos marcantes. Bons ou ruins. E tudo destorcido: se era bom, vira um “uaaal” e se era ruim, putz! Cresce feito bolo com muito fermento... vira horrível mesmo. E mesmo depois, quando as coisas acontecem quando já se é grande... a gente acaba só lembrando fácil de trechos de vida – os mais marcantes. Do resto, tem que fazer força pra lembrar. Pelo menos eu sou muito assim... e o que prende minha atenção – já disse uma amiga – são coisas que ninguém mais se importa, então um comentário que pros outros não tem relevância ou uma atitude que parece banal é o que acaba por me ferir a alma e sou muito, assumo, de remoer dores... antigas ou ressentes. Fico mesmo ressentida por essas peculiaridades da vida e coisinhas corriqueiras. E acho que pra muita gente também é assim, só que a maioria passa por cima porque aprendeu a ignorar as pequenas lesões não-físicas que os outros proporcionam, numa auto-defesa anestesiativa. Eu ainda não consigo. Acho que é por isso que hoje tento fazer diferente com a minha prima – que é quase irmã e quase filha – e com todo mundo sempre que possível. Não. Mentira. Com os outros eu raramente lembro disso. Mas com ela eu lembro... porque é criança e meu bibelô. Porque acho importante que ela tenha tudo o que não tive nesses quesitos sentimentais. Tudo o que não conseguiram me passar. Por isso que, hoje, evito brigar... deixo mesmo fazer do jeito que melhor lhe convém, mostrando as conseqüências e com autoridade de quem não grita nem repete ordem milhões de vezes. Cara séria é cara séria e ela raramente aparece. Gosto de ver que na maior parte do tempo ela sorri. Não quero, naquela memória infantil, ser referência de coisa chata e puro incômodo quando ela crescer e precisar de bases psicológicas sólidas. Alguém tem de se salvar nesse barco de loucos! Mas a minha sentença já cravada, então se eu posso fazer um pouco que seja pra que ela pule fora... eu faço, né!"

Ela abriu a porta do escritório com um sorriso na cara e de cabelo novo. E o máximo que ele conseguiu reparar foram os defeitos que ninguém mais via e que estava gorda. Assim... “na lata”, como dizem. Ela engoliu a seco e só desabou quando não agüentava mais e bem longe das vistas dele e sem ninguém entender exatamente o porquê. Dos poucos telefonemas que recebeu, só palavras ásperas e falta de educação.
De pai-herói à ignorante incompreensivo foi um pulo.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Agnóstico


Talvez fosse melhor ter pedido uma família naqueles anseios nunca antes inocentes de criança que nunca acreditou em papai Noel – nunca teve quem se empenhasse em fazê-la acreditar. Uma vez até tentou satisfazer um familiar deixando o tênis rosa na janela, mas também fez questão de ficar acordada pra ver o tal Noel chegar. Não deu. Acabou pegando no sono. Mas pouco importava, os brinquedos, em qualquer época do ano, vinham todos do mesmo lugar: da siderúrgica na qual o pai trabalhava. E disso sabia. Não se tinha historinhas pra esse tipo de coisa. Vinha da siderúrgica e ponto. Na época em que a siderúrgica ainda distribuía presentes pros filhos dos funcionários, porque depois... depois ela mesma ia escolher nas lojas de brinquedos e então não havia mais a necessidade de esperar um velho qualquer trazer ou não os presentes.
E cresceu assim... sem contos de fadas, sem saber andar de bicicleta, patins ou mesmo ralar os joelhos porque corria pela rua numa brincadeira qualquer. Nunca correu. Atrás de bola, ônibus ou sonhos. Talvez soubesse ser inútil tamanha façanha. Um dia até participou de um time de futebol na escola... e de um jogo! Um jogo que todos tinham medo de escalá-la e que pra ela era um martírio porque nem das regras sabia, muito menos o que fazer com tanta gente querendo a mesma bola. Pois então em mente a única coisa que lembrava das aulas: se a bola parar na sua frente, chute-a. E fez. Pareceram horas intermináveis aquele jogo. Tanto que prefere não lembrar. Mas as vezes não tem jeito. Todas as famílias de todos os jogadores estavam grudados à grade. Ela estava sozinha. Parava no meio do campo e olhava ao redor. Sozinha. O pai sempre se atrasava, mas nunca tanto. E quando chegou... primeiro se irritou por ela estar em campo.. o atrasando a vida. Depois..ah! Aquele olhar de decepção não dá pra esquecer mesmo. A única vez que chuta a bola pra dentro do campo é direto para a rede num gol contra. Desistiu. Depois dessa não dava nem pra continuar em campo...
Engraçado é lembrar a idade que tinha... era pequena.
Mas um dia aprendeu o significado das passagens de ano e que quando se pedia algo com muita vontade ali naquela transição de datas, com sorte e um pouco de fé – ou seria ao contrário? –, a coisa acontecia. Onde foi que perdeu essa fé? Porque pede o mesmo há anos! Não é possível... talvez seja então demais, ou o pedido errado. Mas tem pedido certo pra se fazer na virada do ano? Ela só queria ser feliz. Porque dói tanto quando...quando a sua mãe se recusa a apagar a luz do quarto pra você e você só tem seis anos e morre de medo do escuro, ou quando você tem pesadelos de madrugada e acorda assustada e cai da cama chorando e ninguém aparece pra te socorrer. Ou quando você tem dezenove anos, sente que nunca fez nada realmente significativo e a sua mãe é a pessoa de quem você mais tem rancor nessa vida...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Descontente

O dia começa mal. Mal e tarde. Desconfortável. Com a vida, com o peso, com a cara, com o corpo – mais alto. Mais magro. Por que é tão complicado? É a primeira coisa que faz quando levanta: se olha no espelho e se insatisfaz. Desconfortável sensação. Olhar pro resto da casa ao abrir a porta do quarto e pensar em deixar tudo no seu devido lugar também o é. Alguém que chega tarde se desagrada da disposição de tudo e vê grande desordem em todo lugar. Desanima.
O programa da tv lhe trouxe medo: as dificuldades de viver na cidade grande. E justamente pra lá que precisa ir. É o que seu campo de trabalho pede. É a profissão que escolheu. Mas que campo? Que trabalho? Nem sabe ainda. E dá m medo...
E é tanta coisa... e como sempre tudo vem mais rápido que as ações, dedos e máquinas. E vem tudo assim em frases soltas; em assuntos que se emendam e angústias que só crescem.
A menina lá, a da tv, saiu de casa pra tentar levar a vida com as próprias pernas e tava lá a mãe ligando, chorando saudades. Isso não vai ter. Não é querer ser mártir, ésó que é fato: não tem esse vínculo familiar e já é tarde pra resgatar o que nunca foi. Não saberia.
E é profissão. E é coração. E é corpo. E é medo. E é solidão.
Tanta coisa que a tempos, sabe, precisa de um desconhecido pra falar.
Desses que são pagos pra te ouvir enquanto você destrincha suas mazelas emocionais.
Constatação 1: é de uma falta de estrutura completa: emocional, familiar e financeira.
Constatação 2: tudo dói em dobro porque só aprendeu a se abrir com estranhos e a chorar pra dentro.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Ilusão de mulata

Não tenho tempo pra cantadas de pedreiro
Passo reto praguejando o infeliz
Ainda devaneio tropeçar num qualquer que não me enxergue peito-e-bunda
Mas entrelinha e rodapé.

domingo, 8 de junho de 2008

Não tenho camiseta preta

"Penso que o Protesto é a manifestação de um incômodo imenso, daqueles que não se pode agüentar calado e que a gente não sabe exatamente como resolver sozinho. Por isso é que estampamos a moléstia no peito, orgulhosos da coragem e isentos da culpa da falta de compreensão. O que importa é o sentimento que tudo que digo numa única imagem te transmite e tanto faz se, pra uns e outros, ainda assim não faz sentido."

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Impress me

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Engov, arruda e água-benta

Não foi o excesso de cigarro impregnado na roupa ou no cabelo no fim da noite. Todo aquele auto-repúdio, um “enojamento” por si própria, tinha fundo psicológico e tanto sabia que procurava de maneira racional – no banho, enquanto esfregava a pele como toda força – dissipar aquele pensamento. Vinha o último sábado a noite à cabeça.
Não viu a tal fada verde. Três doses misturadas a outros alcoólicos menos nobres e o máximo que sentia era a embriaguês típica de quem já bebeu além do que devia; nada de alucinações. Viu no máximo o amigo da amiga e consentiu a aproximação. Talvez por isso tenha se sentido desconfortável: perto demais. Antes desse, só um único outro, mas antes havia amor – não um sentimento qualquer, amor mesmo – e nesse não. Só uma simpatia pela cara do guri mesmo.
Infelizmente, a primeiro contato, foi só simpatia mesmo. Então não teve aquela resposta químico-hormonal condizente com as regras normais do jogo. O que teve foi um velho clichê corporal daqueles tão batidos que deixam tudo automatizado. Pena. Porque o rapaz lhe pareceu realmente simpático. Pena. Porque nessa fase da vida em que está – a de se sentir velha pras contemporaniedades atuais – acha que tudo que vai sem sentimento não vale, portanto ter-se assim em alguém de quem só sabia o nome e já assim, o sabendo pelas intimidades, lhe pareceu da superficialidade dos contos das messalinas do Oriente. Onde estava enfim a bandeira que vinha sustentando e todas aquelas convicções? Por água abaixo é que estavam. Esvaindo pelo ralo do banheiro apertado e pouco higiênico no qual foi parar junto ao garoto. Em verdade, teve nojo de si.

No fim, quis acreditar que era só o psicológico frágil por falta de sustentação emocional e que a sobriedade levaria à compreensão.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Acordo de cavalheiros


Prefere que não haja desculpas, condicionando não haver motivo.
Prefere que não haja motivo para haver desculpas.
Prefere a palavra cumprida.
Prefere o aviso prévio das mazelas, dos problemas e das ausências.
Prefere para resolver ágil e singular como melhor convier.
Prefere para a linha reta ser entre dois olhos convictos e não, trêmulos.
Prefere o respeito dos inimigos e a consideração dos irmãos.
Não puxa o fio da teia da aranha se sabe que, mesmo tão forte, quebra.


a pergunta fica:
seria esta uma afirmativa ou uma imperativa?

domingo, 23 de março de 2008

Dois perdidos numa noite suja

Como prometido, o título do post faz jus à noite da última sexta.

Chegou a pensar que nunca aconteceria de novo – tinha confessado a uma amiga na semana anterior –, mas lá estavam novamente, jogados pelo quarto, cansados e felizes, satisfeitos pela noite ter sido boa para os dois, por terem se divertido juntos, simples e claramente. Ao menos, foi como viu.
Era então 11 de março quando sentiu bater forte no peito que as coisas poderiam não ser como antes. Ter passado todo o dia do próprio aniversário ao lado do amigo não convenceu que estava tudo bem. A conversa no msn, no domingo anterior, muito menos. Àquela hora, tudo isso se juntava à lembrança do 12 de janeiro. Pensou no quanto queria dizer quanto tempo fazia; imaginava sempre que este pudesse ser um dia de riso solto e poucas preocupações. Depois, pensou que nunca deveria ter agido da forma que agiu; então não haveria constrangimento nem conversas de msn, só um desejo contido. Por fim, pensou que poderia perder o amigo, apesar de tanto esclarecer a relação que tinham – justamente por isso, na verdade –, e foi o que mais doeu. No tempo livre, era só isso que vinha à mente.
Não conseguiu esquecer. A noitada entre amigos da semana seguinte não fez o mal-estar passar. Os projetos em comum, a princípio, também não. Era simplesmente uma grande falta de tato e assunto estar perto de quem quer que fosse. Já estava refletindo no dia-a-dia, mas justamente os tais projetos fizeram com que retomasse o prumo. A reunião para consolidar os detalhes finais rendeu-lhes, além desses, garrafas de cerveja, fichas de sinuca, risos, amigos encontrados por acaso e almas lavadas.
Parecia a consolidação do bem-estar! Saíram de casa já com uma vodka em punho, como fosse espada de luz a enfrentar toda sombra de pesar que pudessem encontrar pelo caminho. Tinham destino certo. E lá, muitos conhecidos – alguns nem tão queridos –, novos “amigos”, muita diversão, muita música. Dançaram o quanto conseguiram, como adoravam fazer sempre. Circularam pelo lugar de mãos dadas sem se preocupar em serem os diferentes dali. Eram amigos e sabiam disso. Se alguém quisesse pensar além, não estavam se importando.
Teve orgulho de si. Pela primeira vez, em tempos, se sentia plenamente feliz em estar ao lado daquele ser tão querido como “just close friends”. Quase decifrou por completo a singularidade da amizade que tinham e enquanto dançavam, tão perto, compreendeu que certas coisas dificilmente voltariam a acontecer. Foi quando fechou os olhos e dançou com a alma. Era tudo, por fim, tão claro. E estava feliz que fosse assim: claro e sólido.
Mas se pudesse escolher da noite uma cena, escolheria a mais surreal: em meio a toda a agitação do bar, num sofá de canto, tateava os fios curtos do cabelo do amigo enquanto se aninhava em seus braços a esperar que o repertório da pista melhorasse.
A conversa seguia indiferente ao ritmo acelerado das batidas eletrônicas que se espalhavam por todo o ambiente. O que os divertia, naquele momento, era a constatação da fragilidade do ser humano. “Olha toda essa gente: andam da pista pro bar e do bar pra pista a noite inteira... como se estivem perdidos. Querem mesmo é se fazer notar, pra não serem esquecidos!”. Eles também. Mas já se destacavam só por estarem ali tão alheios.
Eram, portanto, dois, também perdidos, numa noite pagã, observando o semelhante em seu estado mais interessante e perigoso: ébrio de felicidade e livre arbítrio.

domingo, 16 de março de 2008

Por todos os posts censurados



"Eu não deixei de achar graça nas coisas
Simplesmente hoje eu quero ser levado a sério
As coisas mudam sempre, mas a vida não é só como eu espero
Existe um dom natural que todos temos
Nossas escolhas vão dizer pra onde iremos"



brega.
sem contexto.
mas o domingo e tudo que não foi postado aqui nesse recesso resumi-se à isso.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O tempo não pára

Até parece que não importou a colação de grau: toda a cerimônia, as gracinhas com o flerte ginasial sentado bem ao seu lado, os amigos presentes, o pai, o teatro lotado. Quando subiu no palco pra receber um simples papel com dizeres totalmente abrangentes e vagos – coisa boba, mas feito pra emocionar –, lacrado com um fitinha barata nacionalista, bem... o papel não fazia diferença nenhuma. Quando subiu no palco pra receber aquele simples papel e ouviu seu nome, soube o quanto era querida e quanta gente havia ali por ela. E por todos os outros. Eram muitos formandos. Era muita gente. Se emocionou por cada um que subiu naquele palco. Compartilhou a expectativa dos aplausos, o gosto do veneno das línguas afiadas e o medo de tropeçar no próprio salto com cada um. Quer dizer, nem todos vai!
E a peregrinação – descalça, na chuva, maquiagem borrada – pra encontrar um simples bar que comportasse confortavelmente toda aquela gente que queria ser divertir junta? O colégio deveria era ter pago os fotógrafos para segui-los após a cerimônia... isso sim deveria ter sido registrado! Não tem problema. Mesmo sem fotos profissionais, ela não vai esquecer.
E também não esquecerá a semana seguinte: a festa. Nesse dia sim, só convidados extremamente vips e cada formando com seu "momento de fama". Alguns nem tão gloriosos assim, mas que ficaram registrados na mente de todos e rendem assunto até hoje. Não houve formatura melhor que aquela. Com todos os problemas e desavenças que pudessem existir na turma, nada, naquela noite, poderia ser melhor que estar ali. Além de todos os queridos, à mesa com seu nome e um incômodo arranjo de flores, reuniam-se, em círculo, seus "close friends", abençoando a noite. Queria ela ter levado mais gente, mas aí a festa seria só dela. E pensando bem, até que por alguns instantes foi: Quem irá esquecer do vestido decotado que desnorteou muita gente!? Da entrega total aos hits gays dos anos 80? Dos beijos calorosos nos cantos da pista que geraram comentários hilários e maliciosos no dia seguinte? Quem irá esquecer da pista vazia, do forró, do funk, do "créu velocidade 5", da discussão violenta com quem pensava ser "amigo", da irritação pós-briga, da tensão entre amigos que seus beijos geraram? Quem!?
Como ela, outros fizeram a noite. Com "temáticas" diferentes talvez, porém não mais amenas. Tudo foi intenso naquele vinte e cinco de janeiro. E tudo pra dizer "tchau".
As fotos da turma inteira, na capa do convite, não a deixam esquecer os nomes e as características de cada um, por menor que tenha sido a convivência. E sente saudades cada vez que olha. No verso do convite, mais fotos. Momentos dentro e fora do colégio, festas, gincanas, aniversários, tradições que iniciaram, acidentes que causaram... coisas que não vão mais voltar. Não tem problema se ninguém lembrar, ela ainda vai.
Dos trinta e nove com quem dividiu três anos de sua vida, ainda há uns poucos que vê com freqüência: os que, por mérito, dependuraram-se, dispostos a cair, na caixinha dos "close friends" e é ótimo saber que estão ali. É a prova de que algum laço estreito restou e, portanto, valeu a pena.
Pena mesmo é que tudo passe tão depressa.
Ela não se sentia preparada pra nenhuma daquelas provas de início de ano. Ter que escolher o que iria ser "quando crescer" assim, tão rápido, num simples clicar do mouse, sendo que mal tinha saído das fraldas do segundo grau... ela era só uma criatura perdida e sem orientação nenhuma sobre o que fazer com aquele diploma jogado no fundo da gaveta e quando viu, já tinha entregue todos os documentos possíveis à todas as universidades para as quais foi direcionada. Já tinha saído das provas, já tinha recebido os resultados e voltava pra casa em posse de uma matrícula bastante salgada, num ônibus com ar condicionado – num ônibus urbano? Não costumava andar naquela linha, então achou o máximo o fato de que passaria a ser rotina: "Ar condicionado! Cara... por quê a minha linha também não tem isso!?". Se sentiu uma criança boba quando se deu conta dos pensamentos que teve em relação ao ônibus que a levaria de segunda à sexta à universidade. Riu. E então veio o medo, misturado a ansiedade, do primeiro dia de aula. Será que haveria trote? Ela iria fazer parte da primeira turma do curso que escolhera, então... será que haveria? Teve orgulho de si: primeira turma. E ela ainda ficou entre os primeiros lugares! Não devia ser tão burra, enfim. Pensou então que a sensação ia ser um pouco mais forte do que a do primeiro dia de aula do segundo grau, mesmo já tendo conhecido algumas de suas companheiras de sala ali na fila de matrícula mesmo. Ainda assim o coração já batia mais rápido. Lembrou que só estava ali por conta do aviso da grande amiga: um telefonema à noite, o aviso de que o curso que tanto queria finalmente tinha sido aberto, a inscrição numa quinta, a prova no sábado, o resultado na terça, a matrícula na sexta e as aulas na segunda. Muita informação pra pouco tempo!
Lembrou então das "garotas" que conhecera na fila de matrícula: todas mais velhas – tudo tia; nem um vidado pra contar história, pode!?. Se sentiu mesmo uma criança perto delas. Uma criança que vai ter de agarrar esse curso sozinha, porque, apesar da força dos amigos, os familiares que mais lhe importam acham tudo isso "perda de tempo e coisa de quem tem dinheiro". Eles queriam mesmo é que ela tivesse um "drª" na frente do nome. Eles nem sabem se ela tem talento... nem ela sabe! Ela só quer descobrir. Sonhou, outro dia, que recebia um prêmio. Sabia exatamente a quem agradecer e em qual ordem: à garota do telefonema, à quem a bancou mesmo sem levar muita fé no investimento e a todos que não acreditaram nela, porque ela conseguiu provar que eles estavam errados o tempo todo.
Mas, por enquanto, ela ainda se sente uma criança sem muitas defesas contra o mundo lá fora... sem saber o que esperar da famigerada segunda-feira.
Uma criança que viu correr as horas nesse início de ano e só hoje se deu conta que fevereiro já está no fim e ela nem conseguiu contar – aqui – ao mundo, todas as coisas boas que lhe aconteceram nesse meio tempo!...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Adestramento aparente

Olha lá... já está a fazer o que não gosta. Investigando, calculando passos, querendo saber, sentindo “posse” – posse: sinônimo apropriadamente discreto pra o que não está querendo aceitar. Feio... muito feio não saber compartilhar! Será possível que não aprendeu até hoje? Merecia um castigo, isso sim! Garota má!
Talvez então seja melhor parar antes que... antes que... que tudo se torne mais uma catástrofe. Já que pra você é tão importante não perder a guerra e o verdadeiro inimigo é quem reside no espelho, desista da luta enquanto é tempo. Vamos! Já aconteceu outras vezes. Você sabe bem onde tudo termina!
Ela fecha os olhos pra conseguir respirar...
E que não venham lhe falar sobre aviso prévio: houve mil avisos de mil sábios, mil e uma vezes cairia no erro. Certas coisas não têm jeito de mudar. Ou bem a gente disfarça, ou se deixa dominar pelo instinto.
“Na hora da fome, o leão de circo não é menos selvagem que o criado livre na savana.”
Pode ser só mudança de lua, carência ou solidão, mas hoje... hoje ela é o leão faminto no ápice do espetáculo circense. Em sua boca, a cabeça de seu estimado domador. Mirando seu peito, o exímio atirador de facas. Certas coisas não têm jeito de mudar. É por isso que o mesmo leão se suicida todo dia. É por isso que o cartaz de “procura-se domador” não sai da portaria.
E pra ele, apesar das cicatrizes no peito, até que tudo bem. No fim do show, as cortinas se fecham e ninguém vai pra casa se sentindo mal por ver a cela vazia.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O oráculo

Muita coisa está por acabar por esses dias...
Muitos ciclos estão por se fechar...
Muitas palavras ficaram por ser ditas...
E há tantas outras por dizer...
E o tempo é tão escasso...
É muito...
É pouco...
É um nó atado na garganta que incomoda e quer sair...
É o único jeito de se proteger do que está por vir...
É mais difícil do que gostaria que fosse.
....
E de nada adianta esta postura indecente diante da vida...
Estancar o sangue, engolir o choro e dissimular
Não faz sentir menos.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Dragão magro na pista pop

Então era a primeira noitada do ano.
Todos os comparsas haviam desistido, mas os dois... esses tinham uma inexplicável e inabalável fé de que a noite seria perfeita e tudo que pudessem adjetivar de bom e feliz aconteceria.
Horas depois, eram os dois no bar do local previamente escolhido gritando seus anseios e idéias para o novo projeto em comum que desenvolviam, tentando fazer a voz superar o alto volume das músicas pop que se espalhava por todo o Café. Tinham breves momentos de silêncio e, nesses, iam longe: hora analisavam o ambiente, hora perdiam-se em si mesmos. Mas nada que superasse a expectativa de cravar os pés na pista de dança, achar um bom espaço, ficar por lá “se acabando”. Afinal, era o que pretendiam para a noite: dançar até não agüentar mais e dar boas risadas na companhia de pessoas interessantes; se acabar, como diziam.
Por um instante acharam que não seria possível: a pouca ventilação, a pista lotada e calor excessivo não lhes permitiu conforto suficiente para permanecer ali durante muito tempo. Mais uma cerveja no balcão foi a única saída que encontram. Dois copos. Dois copos cheios e um bebendo. Um bebendo por dois. “Acho que to meio alto.”. Diante do espanto do receptor da mensagem, veio a exclamação. “É que bebi tudo isso rápido demais! E também... ah, fala sério! Eu to bebendo por mim e por você!”. Daí decorre um diálogo em inglês de frases não terminadas e uma, em especial, que plantaria a dúvida que perduraria o resto da noite. Aliás, perdura ainda hoje. Quem ouviu, não teve coragem de perguntar o que aquilo significava ou mesmo como a frase terminaria. Preferiu não alimentar os dragões famintos da mente fértil que tinha e acreditar que o locutor estava até mais “alto” do que afirmava estar.
Mudaram de assunto.
Mudaram de ambiente: voltaram pra pista. E lá tudo exalava alegria e hormônios a flor da pele. Sensações estranhas começaram a se fazer notar. Não que nunca tivesse observado os atributos do companheiro de pista, não... pelo contrário, sempre soube deles por análise própria ou por terceiros. Só evitava pensar na possibilidade de qualquer coisa além da amizade sincera que tinham porque, qualquer um há de convir, nutrir esses pensamentos não é saudável entre amigos! Mas a pele queimava mais a cada dança. O pop tem dessas coisas de deixar tudo mais... sensual e excitante. E por mais que tentasse dissipar a idéia, o corpo dizia outra coisa. Os corpos diziam outra coisa. Coisas que não devem ser ditas. Coisas que devem ser apenas...feitas. E foram. Claro, houve a relutância antes da ação. Todo aquele jogo de sedução podia estar sendo direcionado à outra pessoa e então seria um desastre a conclusão dessa história, mas lembrou-se que estavam ali para começar o ano bem e isso incluía, achou, também mais auto-confiança. Fez-se então valer dessa máxima e pediu permissão para o que ia cometer. Grande crime esse...
Lembrou-se ainda, antes de qualquer ato extremo em causa própria, de trancar bem longe das garras daqueles famintos os delírios sentimentais que cultivou até o ano anterior. Permitido àqueles monstros era agora só doses cavalares de realidade nua e crua, coisa que pouco apreciavam. Dragões loucos e sedentos…
Sabia que, posto o pé na rua, seriam, os dois, bem resolvidos quanto ao assunto se fosse assim. “Sem traumas”, foi o que pensou. Sairiam do café de alma leve, amigos ainda com a mesma intensidade, e com a sensação de missão cumprida: a primeira balada do ano foi mesmo espetacular.
E entre clássicos adolescentes dos anos 90, Madona, Village People, divas do Pop, CSS e o Bonde do Rolê dançando a Macarena enquanto o Justin Timberlake flertava com a Rihana, eles eram agora amigos selados. Se é que você me entende...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Expurgo interno de ano novo

Bebeu.
Antes, durante e depois do juntar dos ponteiros, bebeu.
Bebeu exageradamente como sempre fez quando em companhia de outros tantos com sentimentos igualmente exagerados.
Naquele dia, os cinco eram exagerados de felicidade por estarem juntos, de esperança por dias melhores e de álcool. Muito álcool.
Era ano novo.
.........
Daí que pra ela o ano começou aos poucos, em fases, e aqueles minutos mágicos nos quais a maioria dos humanos pede paz e se promete renovação, pra ela, viraram dias. Dias de ansiedade pelo o que haveria de vir, diluídos na angústia de saber que o seu “reveillon interno” ainda demoraria muito a chegar.
O ponto inicial foi a descoberta do novo. Ou melhor, do novato.
O novato era o amigo do amigo – aquele quem, em edições passadas, compunha o artigo masculino dos três loucos – e foi uma feliz descoberta. Era engraçado, desenvolto e o papo fluía bem com ele, mas ainda era “o novato”, precisava do teste de fogo: a cozinha. A cozinha, que sempre foi o local de nascimento de filosofias, de discussões acaloradas e de risadas sem fim. Nosso ringue. Nosso canto preferido da casa. Se o novato não se adequasse àquele ambiente e não se virasse bem por ali, não seria nosso, seria só o amigo do amigo ou, quem sabe com sorte, seria pra sempre o novato. Mas ele surpreendeu. Em poucos minutos fez seu aquele habitat hostil e ganhou a todos – mentira, ganhou a ela – ao, estampando no peito toda a confiança que tinha nas próprias habilidades, mostrar-se prestativo e solidário às causas e necessidades do grupo.
Mas ainda havia tempo. Aquela meia hora antes, onde todos correm pra ajeitar os retoques finais... pra deixar tudo certo e sóbrio pra tão esperada hora dos fogos, pra ela se tornaria mais: começava ali sua jornada de ano novo e o primeiro passo era a redenção.
Achou mesmo que tinha comentado com uma das melhores amigas sobre a reunião que faria em casa para a fadada passagem.Achou errado. Sabia que a moça estaria em companhia de familiares distantes e talvez por isso tenha se preocupado menos. Só ligou na tal “meia hora antes” pra desejar tudo aquilo que se deseja nessas épocas e, bem, descobriu a gafe que havia cometido. Como pudera? Uma pessoa tão importante e ela simplesmente esquece!? Enfim. Estava feito. Preferiu não lamentar. Desculpou-se o quanto achou necessário e pediu aos céus que o perdão fosse real e se estendesse a todas as burradas que já tinha feito e que ainda haveria de fazer.
Os fogos estouraram. Isso levou algum tempo, mas por todas as partes, onde era possível ver céu, pontos luminosos apareceram em cores diversas, formas diversas e, já altos, os cinco conseguiram até ver desenhos elaborados com mensagens subliminares na fumaça do foguetório.
Porém o ano dela, ao menos, a sua virada só se deu depois que todos já tinham ido dormir. Depois das conversas em inglês com o novato, depois de incentivar a realização de seus anseios mais íntimos ali pelo corredor do prédio mesmo, depois de cuidar do mal alcoólico do garoto, depois de se certificar do sono velado de todos, depois mesmo de seu ritual noturno. Ela deitou no colchão macio da cama, que acabou por dividir com o novato, já um tanto tonta e olhou para o teto enquanto constatava que realmente não estava bem. Preocupou-se em não acordar os outros. Virou para o lado, meteu a cara no vão entre a cama e a parede, e vomitou.
Começou o ano assim: expulsando de si todo o passado embriagado que ainda lhe restava nas entranhas, expurgando os males do ano anterior. E, sabia, se algum gosto amargo insistisse em habitar a boca no dia seguinte, logo seria aplacado com uma boa dose de café. “Nada que o tempo ou chá certo não resolva.”, pensou antes de fechar os olhos e caçar, no sono profundo, a resignação da alma.
Os dias que seguiriam ainda lhe reservariam tensões, expectativas e frustrações.
Mas isso já é outra história...