quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Motor

Voltava de uma conversa com estranhos. Um encontro que acabou se tornando uma reunião de negócios. Ficou feliz com a possibilidade de participar de um projeto de cunho filosófico. A idéia era boa, as pessoas eram legais e não que todos fossem completos desconhecidos na mesa, mas era que se viu falando sério, como pouco fazia. Então, era diferente.
No ônibus de volta pra casa, livreto na mão, saia molhada do banho que levara de um motorista sem escrúpulos que não se ateve nem por um instante nas poças que se faziam após a chuva e no ponto de ônibus lotado, tentava não se perder nas palavras para não passar do ponto de casa porque sempre lembra da vez que se esqueceu na leitura de um conto qualquer e passou direto do ponto da escola em pleno final de ensino médio. Três anos estudando no mesmo lugar, o ônibus cheio de calouros, e me pagava um mico desses!? Riu de si mesma pela lembrança. Mas o apanhado de pequenas histórias e poemas de pseudo-escritores iniciantes era realmente bom. O formato, a formatação, os títulos, tudo despertava a curiosidade de quem olhava de longe. Teve até a impressão de que o homem grande ao seu lado no banco fazia certo esforço para lhe acompanhar na leitura. Não se ateve a isso. O folheto interessava mais. E mais ainda participar. Um dia também estar ali, impressa, com um outro alguém achando interessante tudo que um dia escreveu sem grandes pretensões.
O ônibus parou. Chovia novamente. Chuva fina, mas incômoda. Olhou pela janela. De lá de fora alguém fixou os olhos nos seus e acompanhou a partida do ônibus assim, olho no olho, como quem olha e se perde no mar. Do resto, não sabe. Se foi pelo cabelo incomum que agora ostenta, se foi mesmo pelos olhos ou só impor respeito – encarar quem te encara, como dizem – não sabe. Sabe que fez lembrar de tempos atrás quando caçava, num embate repentino de olhares, um alguém pra vida inteira. Do mesmo jeito que acontecia nos filmes. Queria um amor de cinema, de novela, qualquer coisa parecida, mas queria que tocasse sininhos e tivesse toda aquela magia computadorizada que via na tv. Pensou nisso tudo tão rápido... e sorriu.
“Quem diria!?...” Tem a ligeira impressão de que sempre terá esse comentário a fazer quando pensar nessa busca desenfreada por um bater mais forte do coração, por uma saudade que faz cometer pequenas infrações de conduta e por um abraço que arranca suspiros extasiados. Tem a ligeira impressão de que sempre haverá o sorriso pela ironia dos astros de colocar bem ao lado tudo que sempre considerou utopia pra si. Felicidade partilhada, os sininhos da tv, a vontade de ser pra sempre... tudo parecia ser pros outros e só. E, na verdade, estava bem ao lado... tão perto...
Pensou nisso tudo muito rápido.
Ironia do destino mesmo: não tivesse chovido, voltaria pra casa à pé e já que não sabe ler andando, não estaria pensando nisso tudo.
De fora do ônibus, quem olhou, deve ter mesmo achado incomum a expressão que agora ostentava. O sorriso constante era culpa dos últimos meses e especialmente de alguém que só a lembrança deixava tudo mais leve e bom.
Antes de se virar para a janela do ônibus, se perdia em literaturas de desconhecidos, projetos de vida e negócios futuros que queria muito compartilhar com uma mulher linda e um gato bicolor.
É que as idéias eram todas boas e tudo lhe parecia possível. Até mesmo ser feliz.

1 comentários:

Alex&Elisa disse...

Nossa...adorei a forma como você escreve...muito lindo.

Parabéns!!!

Obrigado pela visita, pelo link e volte sempre!!!

Beijosadoramoslançartendenciasxau

Alex