segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Reflexões de carnaval

Droga... queimei a língua.
Isso sempre me acontece quando no café requentado que não é meu. Deixo ferver que é pra evaporar um pouco d’água – café fraco, aguado. O meu não, é forte; as vezes até demais. Acho que é assim pra tudo na vida: a gente reflete nas pequenas coisas. O meu café é forte porque é assim que sinto a maioria de tudo. O que tomo, não é, é quase um chá e não me pergunte porquê. Nunca quis pensar sobre. Se alguém me indagar por que então tomo este, sei dizer que é porque, pela manhã, não tenho tempo e, se à tarde, ele já está pronto mesmo... posso retratá-lo ao meu gosto. E gosto disso. Contra o desperdício, dar cara nova ao que já está pronto é minha arte culinária. Quando sou eu quem faz, são medidas poucas e certeiras... um número quase exato de goles ou mesmo nas xícaras de arroz. É um prazer acertar; e fazer. É importante deixar escorrer pelos dedos os sentimentos bons, deixá-los pingar nas comidas. É o que penso: cozinha é feita pra quem tem prazer em estar ali se doando sensorialmente. Do contrário, por favor, só ajude na louça.
Ai, esse café... o tomei rápido porque precisava de algo no estômago e tinha pressa de ver o carnaval na tv. É, admito: gosto de ver. E minha escola desfilou ontem, só descobri hoje. Tudo bem. O que me empolga mesmo é a apuração... e ela raramente ganha. O mesmo vale pro futebol: não acompanho, não me interesso muito, nem entendo direito a ordem dos ampeonatos... mas tem coisas que a gente simplesmente é. Eu sou Beija-Flor e sou Flamengo. E gosto de ser. Se não gostasse, podia mudar. E eu disse isso à ela... que ela precisava enxergar o que ela é. Bem, é o que enxergo... mas considero bem real.
“Eu te confundo? Porque acho que não sei organizar muito bem as palavras.” Ela disse que não. Não para a confusão, mas para a organização. Espero que tenha entendido!
Vimos uns compactos do primeiro dia da Sapucaí pela manhã. Minha tia não desfilou no grupo especial esse ano, mas ainda assim queria me arrastar. Confessei minha escola. E meu saudosismo pelo “antigamente”, quando havia mais samba e menos coreografia, quando quem desfilava eram os apaixonados pela escola e não artistas globais que pulam de escola em escola a cada ano. O mesmo vale pro futebol. Gostava mais quando os jogadores “pertenciam” de verdade aos times.
Agora, na entrada da primeira escola, a comissão de frente, com aquele povo que faz tudo, menos sambar, ali logo no início, a imagem do alto, era visível a empolgação de uns... amor mesmo. Dava pra sentir daqui. São essas pessoas que fazem a diferença nessas coisas e eu admiro. Admiro a entrega e o amor verdadeiro. Não só por pessoas. E isso é tão difícil... amar coisas, grupos, instituições e entidades. Porque o seu amor tem que ser gigantesco, tem que abraçar o tamanho dessas grandiosidades que você se dispõe a fazer parte. Então seria amar a você mesmo também. Se houvesse mais desses sentimentos, as pessoas só fariam o que amam de verdade. Seria talvez o caos, mas seria feliz.
Mas que fique claro, não sou a favor da anarquia. Mas sou a favor da felicidade. “Faz o que quiseres, se a ninguém prejudicares.” me dizia a máxima pagã e eu ainda acredito. Pensei hoje que o que a religião que minha mãe acompanha pela tv é pra ela, na verdade, um coquetel tarja preta sem prescrição médica. Um dia, ainda digo à ela. Por enquanto me vale o amor verdadeiro às escolas de samba. Não o meu, mas o que vejo daqui das pessoas lá. Eu sinto o delas como se pudesse sentir a um órgão. E isso foi ela quem me disse. “É como se pudesse sentir a um órgão. Como se pudesse sentir cócegas no coração.”.
Eu sentiria cócegas no coração. Teria vontade de arrancá-lo. O guardaria numa caixa bonita e entregaria a ela; estaria certamente em melhores mãos. Comigo, acabaria esquecido em algum canto, empoeirado, ressecado e ferido de falta de cuidados. Ela saberia o que fazer com ele.
Na verdade, tecnicamente já fiz. É dela.
E o carnaval segue. Espero que ela tenha feito o que era preciso fazer. Sempre tomo um analgésico quando chego em casa. Ela só queria dormir. Quase três dias esquecendo do mundo nos deixam assim. Ninguém além dela me sabe tão boba, tão séria, tão indefesa, tão opinativa.
Desse pra viver eternamente assim, eu quereria açaí. Mas a realidade nos imprime uma sogra com saudades, outra que só dá pra sentir pena, os compromissos dos próximos dias úteis e as baianas a rodar.

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